sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Vigário Geral teve segunda edição da FLUPP

O som estrondoso da batida dos tambores do AfroReggae anunciou o início da segunda edição da Festa Literária das Periferias, a FLUPP, na quarta-feira 20, também Dia Nacional da Consciência Negra. A festa aconteceu no Centro Cultural do grupo, na favela de Vigário Geral, e o evento literário só terminou no domingo, 24. O homenageado desta edição foi o poeta, ator e artista plástico Waly Salomão. 
 
A FLUPP, idealizada por Écio Salles, Júlio Ludemir, Heloísa Buarque de Hollanda e Luiz Eduardo Soares, foi criada para popularizar o acesso ao livro, à leitura e ao conhecimento em favelas do Rio de Janeiro, com objetivo de democratizar a literatura, uma manifestação cultural ainda elitista. 
 
A equipe organizadora trabalhou duro para levar o que há de melhor para a comunidade. “É com muito orgulho que a gente traz tamanho evento pra cá. É um esforço grande, mas é a estrutura que a comunidade merece. Estamos aqui para mostrar que favela também é potente” disse o escritor Écio Salles.
 
Vinte anos depois de um dos episódios mais trágicos das favelas do Rio, a chacina de Vigário Geral, a FLUPP veio para marcar de maneira positiva a comunidade. “Nunca vi um evento tão lindo aqui. Fico muito feliz com a iniciativa” disse a dona de casa Maria de Lourdes Viera, 35, que como muitos outros moradores da comunidade, prestigiou a iniciativa. 
 
Na Praça do Tropicalismo, diálogo entre o erudito e o popular
 
Autores consagrados e jovens escritores dividiram a cena e trocaram experiências durante a festa literária
O espaço principal do evento, a Praça do Tropicalismo, recebeu os autores convidados.  Entre os destaques estiveram Nélida Piñon, primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Letras; Tamim Al Barghouti, poeta egípcio cujos poemas foram entoados por multidões na praça Tahir, no Cairo; o poeta mineiro Ricardo Aleixo; a dramaturga alemã Dear Loher; a escritora Ana Maria Gonçalves e o ativista cultural e organizador do coletivo Fora do Eixo, Pablo Capilé. Com curadoria do jornalista e escritor Toni Marques, as atrações mesclaram o erudito e o popular. Ao todo, foram 12 escritores brasileiros e 14 internacionais.  
 
No último dia, a Praça do Tropicalismo reuniu o jornalista Zuenir Ventura, Anderson Sá, um dos líderes do Afroreggae, e o antropólogo, cientista político e escritor Luiz Eduardo Soares, em um diálogo enriquecedor sobre asfalto, favela e leitura. 
 
Anderson Sá falou da superação da Chacina de Vigário Geral, quando perdeu um tio, e vivenciou o sofrimento de toda a família. “A dor foi muito grande. Não foi só a perda de um familiar querido, era a injustiça”, contou Anderson, que tinha apenas 14 anos na época. Ele frisou também a importância do Afroreggae em sua vida, afirmando que antes de começar suas atividades na ONG, tinha vergonha de se assumir negro. “Eu dizia a minha mãe que preta era ela, eu era moreninho”. 
 
Nélida Piñon (de vermelho), primeira mulher a dirigir a Associação Brasileira de Letras, prestigiou o evento

Zuenir, por sua vez, contou como foi a sua primeira ida a Vigário Geral. O jornalista, que já passou por várias redações, também evocou o trágico episódio da chacina. “Aquela cena dos caixões com as vítimas na entrada de Vigário era um anti-cartão-postal”, lamentou. O autor de “Cidade Partida” deu seu ponto de vista sobre as mudanças da cidade. “A favela é outra. Existem avanços sim. Entretanto, dizer que as UPPs mudaram a cidade partida é um exagero. Queria dizer que a cidade partida não existe, mas ela está aqui. Meu sonho é escrever a ‘Cidade Repartida’. Quem sabe um dia...”
 
Zuenir também falou sobre as recentes manifestações populares, em referência a seu outro grande sucesso “1968: o ano que não terminou”. “O país é outro, a geração é outra. Existem novos protagonismos. O mundo mudou. A passeata dos 100 mil foi contra a Ditadura. Os movimentos de hoje têm como ponto de partida uma cidadania mal resolvida. As pessoas estão se revoltando porque o país mudou”.  
 
O que preocupa o escritor são os possíveis desdobramentos desta insatisfação popular: “A lição de 1968 é que esse movimento atual tem de ser preservado de qualquer maneira. É preciso apertar todas as buzinas sim, mas é importante saber o que se está querendo”.
 
FLUPP: a festa das UPPs virou festa das Periferias
 
A primeira edição da FLUPP, em novembro do ano passado, foi realizada na favela pacificada do Morro dos Prazeres. A iniciativa, no entanto, foi alvo de críticas. A grande estrutura não foi tão bem aproveitada pelos moradores da comunidade. Alguns observadores também acharam incoerente ver policiais batendo palmas para o passinho do funk, manifestação cultural que eles costumavam discriminar cotidianamente. 
 
Vinícius Freitas, universitário e participante das duas edições da FLUPP, parabenizou o evento. “Gostei bem mais da edição aqui em Vigário Geral. Vejo os moradores participando, a programação está ótima, nota 10 para a organização”. O rapaz saiu de Nova Iguaçu todos os dias para a festa literária, sem temer ingressar em uma favela não pacificada. “Medo nenhum. Quando soube que seria em Vigário, achei ótimo. Além de ser perto de Nova Iguaçu, não tenho problema nenhum em circular na favela, me sinto até mais seguro do que uma comunidade com UPP” afirma Vinícius. 
 
O agitador cultural Marcus Vinícius Faustini, presente nesta edição da FLUPP, saudou a mudança do nome de “Festa Literária das UPPs” para “Festa Literária da Periferias”. “A Flupp não pode ficar restrita a lugares onde o governo conseguiu implantar uma UPP. Vida Longa à festa literária das periferias!” desejou o criador da Agência de Redes para a Juventude.