domingo, 17 de outubro de 2010

Intrusão literária

Por Juliana Portella

Este último fim de semana foi marcado por uma grande colisão literária na Cidade de Nova Iguaçu. Pra quem acha que acesso à leitura no Estado do Rio de Janeiro se limita  ao luxuoso Festival literário de Paraty, ou a mercadológica bienal no livro está de bobeira. Eu estou falando de Livro Livre! Livro, leitura e palavra para a classe C. Aqui em Nova Iguaçu, a rua é uma biblioteca, caros leitores. O evento foi um sucesso. A Secretaria de Cultura e Turismo libertou cerca de 4 mil exemplares Nova Iguaçu afora. Além de simplesmente distribuir livros, o fim de semana foi um grande sarau.

O primeiro dia de ações e discussões sobre livros para a classe C terminou com uma roda de conversa com Bráulio Tavares – poeta, escritor e compositor – e Marcus Vinicius Faustini – escritor, cineasta e ex-secretário de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu – no Espaço Cultural Sylvio Monteiro. O atual secretário de Cultura e Turismo da Cidade de Nova Iguaçu, Écio Salles, deu início ao poupe-ficha iguaçuano explicando o movimento Livro Livre e suas expectativas para democratizar a leitura e a criação literária na classe C. O acesso à palavra e à produção literária foram os principais temas do debate.

Com o olhar de quem foi criado na periferia do Rio de Janeiro, mais particularmente no conjunto residencial Cezarão, em Santa Cruz, Marcus Vinicius Faustini disse que a literatura aconteceu em sua vida por acaso. Atualmente na Secretaria de Ação Social e Direitos Humanos do Governo do Estado, esse autodenominado “intruso social” está desenvolvendo trabalhos cujo objetivo é incrementar a produção literária nos morros ocupados pelas UPPs. Para ele, os governos federal, estadual e municipal têm que implementar políticas públicas que estimulem a a produção literária, ” Financiar a literatura é financiar a vida”, acredita Faustini, para quem políticas públicas em prol da difusão da palavra podem ser uma grande contribuição para formação de novos leitores.

Faustini contou também como concebeu o bem-sucedido “Guia afetivo da periferia”, que já está na segunda edição. “Estava cansado do modo como o pobre é representado na literatura brasileiro, sempre seguindo o modelo da superação”, conta ele, que se inspirou no “Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife”, de Gilberto Freyre, e no “Um guia de Lisboa”, de Fernando Pessoa.

Bráulio Tavares defendeu a ideia de que ao escrever o escritor cria uma identidade. “Quando você escreve o que nasceu para escrever, liberta uma criatura que existe dentro de si” diz ele, para quem há muitos pontos em comum entre a literatura e a psicanálise. Assim como o analista escava o inconsciente, a literatura puxa o que não se vê em cada um de nós. Imaginemos um iceberg, o que se pode ver superficialmente é só a ponta. É preciso enxergar o que está submerso. A revelação de quem somos vem junto com a literatura.

Ao final da discussão da nova classe C dentro do mundo literário, percebe-se que ler é decisivo para a vontade de escrever, e a arte da escritura que antes era restrita à classe média da Zona Sul está se democratizando. Um exemplo disso é a internet onde temos vários escritores de 140 caracteres. Uma twitada faz parte de um novo repertório literário onde se escreve em um momento de emoção.

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